Mais uma sexta-feira em baixa nas Bolsas globalizadas. Onde está a novidade?
No século 19, José Ferreira Borges - o primeiro advogado-economista português - escreveu (in Dicionário Juridico-Comercial, verbete fundos publicos, 1839, pgs.223 e 224, adaptado para melhor compreensão):
- "Da especulação nasceu o jogo de fundos. Este jogo é extremamente variado; porém tudo se reduz a uma coisa, a uma aposta. Ponhamos um exemplo. Pedro tem algumas libras e persuade-se que cinco mil de redito, que hoje se vendem por cem mil, virão a vender-se por cento e quarenta mil no curso ou fim do mês. Paulo tem também algumas libras e persuade-se que cinco mil libras de redito, no curso do mês, não valerão mais do que noventa e seis mil. O primeiro joga pela alta, o segundo pela baixa dos fundos: apostam um contra o outro. Paulo vende a Pedro as cinco mil libras para lhe serem pagas na razão das cem mil libras. Nesta época faz-se o que se chama na Praça a liquidação. Se o fundo da especulação subiu de preço, Pedro diz a Paulo: vós me vendestes cinco mil libras pagáveis na razão de cem mil de tais fundos: segundo o curso eu posso vender as cem mil por cento e quatro mil; pagai-me estas quatro mil, e eu vos dispenso de me entregar os fundos. No caso inverso procede o inverso... Parece-se exactamente com uma partida de cartas, em que se não pode ganhar sem que outrem perca".
O Pedro, o Paulo e as demais pessoas que jogam fundos nos mercados de capitais (hoje em dia à aposta chama-se investimento) sabem que à alta segue-se a baixa e assim sucessivamente. Sempre. Quando as Bolsas baixam ninguém está a dar acções. Há quem esteja a vender e quem esteja a comprar. Pedro vende em baixa, Paulo compra em baixa (porque especula na alta). Ninguém dá nada a ninguém. Uns perdem, outros ganham.
Ademais, os Pedros e os Paulos do exemplo sabem que os índices das principais Bolsas de acções estiveram recentemente, há nem muitos anos, substancialmente mais baixos do que estão hoje:
- Dow Jones na casa dos 7.200, em Outubro de 2002;
- Nasdaq na casa dos 1.100, em Outubro de 2002;
- FTSE 100 na casa dos 3.200, em Março de 2003;
- X-DAX na casa dos 2.200, em Março de 2003;
- CAC 40 na casa dos 2.300, em Março de 2003.
O que dá margem para muita especulação adicional.
É um jogo para entendidos. Os governos sabem-no. Por isso existe regulação.
Quem não sabe é o Povo, intoxicado por informação inflamatória ou meramente dramática. Com a necessidade de vender publicidade sentida pelas televisões, as rádios e os jornais, e "sangue" para o efeito, o caso muda de figura: o Povo entra em depressão. E, isso sim, é mau, mesmo mau, muito mau...
O efeito de contágio que este ruído produz na economia, a do trabalho, produção e consumo das coisas do dia a dia, aliás a de todos (tanto dos que jogam fundos nos mercados de capitais como a daqueles que tentam a sorte nos euromilhões), é que impunha a intervenção do Governo.
Não para criar mais dívida - que é o que o Governo ontem veio anunciar, em termos práticos, com o prospectivo aumento do endividamento público por relaxamento dos limites do défice das contas públicas no próximo Orçamento de Estado.
A intervenção do Governo impunha-se para apartar as águas, impondo a sua presença na imprensa para se dirigir sobretudo à economia real, com palavras de realismo, clarificação, explicação - como fazem os pais aos filhos perante o desconhecido que os assusta.
Visto da paisagem, parece que o Governo de Portugal não diz aos portugueses aquilo que urge para tranquilizá-los e não temerem o futuro. Economia não é futebol. Porque será que os nossos governantes não o repetem até à exaustão na televisão e na rádio? Não o fazendo o Governo, quem o fará?
Porque Portugal tem sido Lisboa