Porque Portugal tem sido Lisboa

quinta-feira, 3 de julho de 2008

O Mundo não é plano - outra vez

Bloomberg on The Economy, 26 de Junho de 2008. Tom Keene entrevista Nouriel Roubini, professor de Economia na Stern School of Business da New York Univesity, que diz, essencialmente:

1. Os Estados Unidos da América (EUA) já estão em recessão, em resultado da combinação da maior crise imobiliária dos últimos 50 anos, do crunch do crédito e da liquidez e do aumento dos preços do petróleo. Num número importante de outros países existem sinais significativos de abrandamento, se não mesmo de contracção económica, enquanto a inflacção sobe através do mundo; estamos num momento de estagflação light: o princípio da combinação entre inflação e estagnação, que leva a crescimento lento, mais desemprego e inevitável recessão. Os EUA estão em recessão; o Japão entrará proximamente em recessão; um bom terço da Europa entrará em recessão: o Reino Unido, a Espanha, Itália, Portugal...

2. A alta dos preços da energia implica o aumento do preço dos transportes, pelo que já não estamos no mundo plano de que falava Tom Friedman (no já clássico "O Mundo é Plano"). Em muitas dimensões, já estamos num mundo novo. O que tornou o mundo plano foi a cadeia global de fornecimentos. Essencialmente, tornou possível produzir um computador outsorcing a produção de componentes em 100 países diferentes e depois transportá-las para um local e montar as peças nesse local; agora, por causa de preços de transportes mais altos, as coisas passar-se-ão de modo diferente. O Governador do Alabama, por exemplo, já anunciou que está a receber muitas propostas de investimento; e, com ele, muita gente nos EUA pensa que esta alta do preço dos transportes é benéfica porque criará mais emprego doméstico, em detrimento do comércio global. O mesmo crescimento doméstico sucederá em países como a China (1,2 bilhões de pessoas) e na Índia (1 bilhão de pessoas). Isso levará tempo e o choque negativo ainda está para ocorrer.

3. Neste mundo novo a política monetária já não é tão eficaz, porque nasceu um sistema financeiro sombra, que não se baseia no sistema bancário e alargou os spreads interbancários. Hoje, existem toda uma nova série de instituições financeiras que se parecem com Bancos (altamente alavancados, financiam-se no curto prazo e emprestam para o longo prazo) e passaram a ter acesso à janela de liquidez que o Federal Reserve (FED) abriu; a transmissão da política monetária está mais dificultada. Inicialmente, o choque veio dos EUA mas agora transmitiu-se à Europa e o facto de o FED ter facilitado enquanto o Banco Central Europeu (ECB) não o fez, significa que agora há condições monetárias mais estritas na Europa, que levaram a uma escassez de dólares. Pelo que, paradoxalmente, o FED não apenas está a emprestar dinheiro a não-Bancos nos EUA, como também está a emprestar dólares a Bancos estrangeiros. Trata-se de uma enorme mudança na política monetária: os EUA passaram a ser o Banco central do mundo. Centenas de instituições financeiras irão à falência: os spreads deixarão de depender da falta de liquidez, passarão a depender do risco de contraparte, o risco País.